Entrevista de Francisco Coelho, presidente da Comissão Eventual para a Reforma da Autonomia (CEVERA)

PS Açores - 5 de abril, 2019
Direitos sobre o mar dos Açores precisam de ser clarificados   A CEVERA recolheu e acaba de publicar as propostas dos partidos políticos para a reforma da Autonomia. Como decorreu o trabalho até agora? O horizonte temporal da Comissão Eventual para a Reforma da Autonomia tem sido a legislatura. Assim aconteceu há cerca de dez anos quando se procedeu à terceira revisão do Estatuto Político-Administrativo da Região. Os trabalhos deste tipo de comissões começam com a audição de um conjunto de personalidades e recolha de sugestões ou contributos de qualquer cidadão e depois é dado um período para os partidos poderem apresentar as suas propostas. Esse período também já ocorreu e neste momento estamos na fase das reuniões da subcomissão que tem reunido dois dias por mês para fazer o levantamento e o diagnóstico daquelas que são as propostas e quais são as principais convergências e divergências. Quais são as grandes linhas de pensamento que de alguma forma possam ser inovadoras? Há um conjunto de propostas dos partidos e outros contributos que foram entregues antes à comissão.  Diria que talvez se possa dividir as propostas por blocos. Há algumas preocupações, que são históricas, que têm a ver com o próprio sistema político e com a eventual resolução de um conjunto de velhas questões e ao contrário do que tem sido hábito na nossa atividade parlamentar, há por parte do PS a apresentação de uma Resolução de revisão constitucional onde, ao nível das autonomias, se pretende resolver ou ampliar um conjunto de questões, algumas delas históricas, como a extinção do cargo de Representante da República, que sendo uma questão que não é unânime, tem levado algum tempo a fixar esse princípio e só mais recentemente é que se tem pensado nas eventuais soluções.  Se é verdade que o cargo de Ministro da República já foi extinto e houve da parte dos partidos com mais responsabilidades nas revisões constitucionais na Assembleia da República um voluntário, progressivo e premeditado esvaziamento da figura, a verdade é que ela continua a ter duas ou três funções políticas e simbólicas que ainda são importantes e que terão de ser transferidas para alguém ou para alguns. O Representante de República ainda tem, hoje, três funções que são importantes: ser o representante do Estado na Região, nomear o presidente do Governo Regional e suscitar a fiscalização preventiva das normas regionais junto do Tribunal Constitucional. Não há consenso sobre a extinção da figura do Representante da República, mas existe uma grande maioria que apoia essa proposta? Não existe unanimidade sobre a extinção da figura do Representante da República, embora creia que seja possível formar um consenso sobre essa matéria. Consultando as propostas que foram entregues na comissão, é possível verificar que existem, fundamentalmente, duas soluções para a repartição ou transferência dos poderes. A proposta apresentada pelo PS aponta para a transferência de alguns desses poderes para o presidente do Governo Regional, à semelhança do que acontece em algumas autonomias espanholas e no caso da fiscalização preventiva dos diplomas regionais e nacionais a proposta vai no sentido da criação de uma figura regional, eleita por dois terços da Assembleia Legislativa, com um mandato único de seis anos e como perfil mais de acordo com as provedorias. As restantes competências passariam a ser exercidas pelo presidente do Governo Regional, que passaria a ser eleito pela Assembleia Legislativa e nomeado pelo Presidente da República. A outra proposta, apresentada pelo BE, aponta no sentido de ser eleita na Assembleia Legislativa uma figura que ficaria com todos os poderes do Representante da República, com exceção do veto político, que deixaria de existir. Para além desta questão do Representante da República, quais são os outros núcleos que considera importantes? Nesta revisão constitucional vai-se procurar resolver ou insistir num conjunto de questões, porque o processo autonómico é dinâmico. Entre essas questões está a gestão partilhada do mar, que integrou a terceira revisão do Estatuto da Região, mas levantou dúvidas sobre a sua aplicação e cumprimento com a Lei de Bases do Ordenamento do Espaço Marítimo.  Essa é uma questão que está neste momento em apreciação na Assembleia da República e cujo relator é açoriano... Há uma anteproposta de lei aprovada por unanimidade na Assembleia Regional. Quer ao nível constitucional, quer em sede de revisão estatutária, vai-se tentar acautelar essa questão e também alargar os poderes de relações e representação externa da Região junto da diáspora e das instituições europeias. Tenta-se salvaguardar e definir melhor o adquirido autonómico e resolver melhor a questão do domínio público, não só ao nível do mar, mas também no âmbito da posse dos edifícios do Estado na Região que deixam de estar afetos a determinadas funções. Por outro lado, tenta-se resolver politicamente algumas questões que foram declaradas inconstitucionais na altura da primeira versão da terceira revisão do Estatuto dos Açores, como a possibilidade de serem criados provedores setoriais regionais ou a questão das bandeiras, que embora seja simbólica, para nós faz muito sentido. Como o caso da nossa Bandeira, que foi respeitada impunemente... Sim... A questão das bandeiras não deixa de ser interessante, porque a simbologia é importante e está salvaguarda a prioridade protocolar da bandeira nacional. Não deixa de ser interessante que o primeiro representante do Estado na Região na sua sede ostente a bandeira da Região e ainda bem, em contravenção daquilo que é o entendimento do Estado, o que não deixa de ser, na minha opinião, uma ironia significativa. Também ao nível da audição por parte do Presidente da República, em caso de dissolução dos órgãos regionais, propõe-se que se encontre uma solução que passe pela audição dos grupos e representações parlamentares com assente na Assembleia Legislativa. Também se tenta melhorar o paradigma da competência legislativa da Região. Há uma série de aperfeiçoamentos que nos parecem extremamente importantes e que têm a ver com o nosso passado, com algumas normas que têm sido vítimas de interpretações restritivas por parte de alguns presidentes da República ou do Tribunal Constitucional. A venda em hasta pública pelo Estado de edifícios públicos da Região é uma situação inqualificável!? No nosso entender é, porque o Estatuto da Região tenta ser bastante claro em relação a essa matéria e tem havido esforços no sentido da sua clarificação. Havendo uma inutilidade ou desocupação por parte do Estado, esses edifícios devem passar para o domínio regional. Está é uma matéria que deve ficar clarificada, sobretudo em sede de revisão constitucional.  Na gestão partilhada do mar, até que ponto se deve ir? Nós estamos na fase de regular as competências dentro do Estado sobre o domínio público marítimo, tendo em conta que parte desse mar é território da região autónoma. Esse domínio público vai incidir sobre um determinado mar que tem fundos que vão interessar a muita gente no que se refere à sua exploração... Em termos teóricos é preciso definir quem é quem entre o Estado e a administração regional, tendo em conta a Autonomia e os órgãos de governo próprio, que têm competência nas diferentes vertentes. É evidente que o exercício prévio dessa competência, designadamente através dos planos de uso privativo, vai determinar o tipo de concessões e em que medida elas podem ser feitas.  Esta é uma das áreas que vão necessitar de mais negociação com a República... Essa negociação deve-se fazer a diversos níveis hierárquicos e normativos. Está pendente na Assembleia da República uma proposta açoriana de alteração da Lei de Bases do Ordenamento do Espaço Marítimo. Para além disso, há proposta de revisão constitucional no sentido de clarificar essas questões a esse nível. É evidente que num Estado de Direito e numa democracia consolidada, aquilo que a Constituição e as leis determinam é essencial. Mas também há correlações de forças políticas e casos em que os intérpretes da legislação são poucos e têm um determinado entendimento, como é o caso do Tribunal Constitucional, que em relação a algumas matérias tem sido o único a pronunciar-se com carácter decisivo. Sendo, absolutamente, essenciais as reformas estatutárias, constitucionais e legislativas, em que os Açores têm sido sempre pioneiros e proactivos, é preciso tem em conta que a lei não é tudo e tem de haver espaço de pedagogia, de negociação e de reivindicação política, que é fundamental, mas que estará depende dos atores políticos que estejam cá e lá. Partidos regionais Como é que está a ser tratada no âmbito das propostas que deram entrada na CEVERA a questão dos partidos regionais? Essa questão é colocada ao nível da proposta de revisão constitucional. Desde sempre, a nossa atual Constituição proíbe a formação de partidos regionais. Nesta matéria deve-se seguir um processo lógico, por isso é necessário primeiro eliminar essa norma proibitiva da Constituição, para depois avançar com uma alteração à lei para que possa haver partidos regionais.  De que forma se pode compaginar os partidos regionais e nacionais que queiram atuar nos Açores? Os partidos regionais apenas concorrem nas eleições regionais? Temos a possibilidade de ter direito comparado nessa matéria. Não é preciso ir muito longe, basta ver o exemplo do reino de Espanha. Mas isso vai depender da forma como esses partidos vão ser definidos na lei. Existe a possibilidade de poder haver candidaturas independentes de cidadãos? Essa é outra questão. Há grupos e representações parlamentares que apoiam essa possibilidade, mas também há os que são contra. É um assunto que ainda está a ser discutido. A criação de um círculo dos Açores nas eleições para o Parlamento Europeu tem merecido algum debate nos últimos tempos. Qual a sua leitura em relação a este assunto? Trata-se de uma reivindicação que já existe há muito tempo. Quase todos os partidos concordam com a ideia de se criar um círculo eleitoral nos Açores para o Parlamento Europeu. Os partidos por vezes têm a tentação de fazer "uma corridinha" para tentar tirar alguns direitos de propriedade e de pioneirismo nas propostas. Algumas das questões que estão a ser abordadas pela CEVERA têm alguns anos e formam amadurecidas com o tempo. Isso permite que depois possa haver consensos sobre determinadas propostas, independentemente da sua paternidade e isso é fundamental para legitimar uma posição açoriana. Parece-me possível que no futuro exista um consenso alargado sobre a criação de um círculo dos Açores nas eleições para o Parlamento Europeu. No que se refere à revisão da lei eleitoral dos Açores, são propostas diversas medidas que visam simplificar o atual sistema.  Próxima etapa Depois de ter sido elaborado o documento com todos os contributos, o que vai acontecer a seguir? Vamos prosseguir o trabalho de consensualizar as propostas de cada um dos partidos para as diferentes áreas. Na altura devida vamos decidir sobre quais serão os consensos possíveis. Depois será apesentado um conjunto de documentos finais com as propostas da comissão, que serão debatidas no plenário da Assembleia Legislativa. As propostas que vierem a ser aprovadas serão remetidas à Assembleia da República. No caso do Estatuto da Região, a apreciação na Assembleia da República será exclusivamente sobre as propostas açorianas ou podem surgir outras? Essa é uma questão complexa. Creio que se pode apresentar propostas por temas ou blocos das matérias em causa e não na totalidade do Estatuto. Mas o nosso ímpeto reformista não nos causa medo no que se refere à possibilidade de serem propostas outras alterações.  O facto de existirem eleições legislativas nacionais este ano e regionais em 2020 pode ter influência no prazo de entrega das propostas na Assembleia da República? Já não há tempo útil para entregar as propostas durante a presente legislatura. Pretendemos remeter o processo para Lisboa no início da próxima legislatura nacional.   Entrevista de Francisco Coelho ao Diário Insular e Antena 1 Açores